A Solidão de Netuno



Pois a arquitetura é dentre todas as artes a que mais ousadamente busca reproduzir em seu ritmo a ordem do universo, que os antigos chamavam de cosmos, isto é, ornado, enquanto parece um grande animal sobre o qual refulge a perfeição e a proporção de todos os seus membros. E louvado seja o Nosso Criador que, como diz Agostinho, estabeleceu todas as coisas em número, peso e medida.
Umberto Eco1

Ser imortal é insignificante; exceto o homem, todas as criaturas o são, pois ignoram a morte.
Jorge Luis Borges2

E um astrônomo será levado pelas ruas e será vestido como um animal, e se levará seus cálculos com ele, rasgados em pedaços, como um feixe de feno.
Soren Kierkegaard3


Em 1846 o matemático Le Verrier estranhou a órbita de Urano. Supôs o empuxo de outro planeta oculto atrás. Dias depois confirmou-se sua existência. O primeiro planeta descoberto por previsão matemática. Algoritmo ao invés de ponto no céu. Seu primeiro nome foi Janos, o Deus dos começos. Pois agora era ele o portal a um cosmos invisível. Mas sua cor azul se impôs e optou-se por Netuno, o Deus dos mares. A solidão de Netuno é ser o único planeta do sistema solar que o olho nu jamais verá. Em calmo oblívio ele flutua. Sua solidão é também o sentimento daqueles que, ao não o verem, sabem-se pequenos. Naquela noite Le Verrier sonhou-se correndo o sistema solar e nas margens de Netuno contemplou a vastidão insondável do cosmos aberto. Mas virou-se e viu o planeta Terra e ali entendeu o poder das coisas pequenas.   



Desde sempre foi assim. Na aurora da espécie o humano já apoiava-se em ambos os pés e seu penoso crânio dobrava a nuca. Os olhos inebriados na vastidão cósmica não viam o todo salvo inúmeros pingos luzidios e a penumbra atrás. Sua cegueira ampliava-lhe o conforto. Incapaz de notar a imensidão inóspita, entretinha cosmologias de restrição. Mas há algo alienígena no tecido de nossos corações que anseia saber. Não contento com o conforto, buscou o além.
    Nos zigurates da Babilônia matemáticos marcavam em tabletes de argila a geometria dos eclipses solares e lunares e o arco de Vênus. Depois Pitágoras e seus teoremas compunham um cosmos cujo centro era um fogo essencial, ao redor do qual girávamos. Contornando tudo, ao longe, o sol. Nesse cosmos contido Platão viu o trabalho de um demiurgo que impôs ordem matemática ao caos de outrora. As partes servem o todo e ao centro gira o planeta Terra, talvez para que o racional humano contemple o equilíbrio celeste e dele retire lições de conduta. Tornamo-nos todos estudantes dos hábitos esféricos, segundo Platão a mais perfeita das formas. O corpo imitava o cosmos para conquistar um perfeito espírito. Ubíquo no Medievo, o modelo Aristotélico depois propunha um universo composto de camadas esféricas onde céu e terra respondem a diferentes leis, sendo assim separados. As criaturas sublunares como nós vivem contingentes na crosta planetária, corroendo-se na entropia. Tudo o que é eterno e necessário guarda-se acima da lua, no primeiro céu, Ouranos. E embora nos soubéssemos finitos, toda a criação mantinha-se ao nosso redor. Nosso amparado planeta gozava a honra de ser o centro axial desse finito e harmônico cosmos. No século terceiro antes de Cristo, Euclides compôs a geometria que viria a ser usada por milênios também na arquitetura e Aristarco de Samos descobriu o imenso sol ao centro do cosmos. Mais tarde Eratóstenes de Cirene calcula a circunferência da Terra, dando escala à nossa pequenez. O velho curvado na poeira do mundo medindo a sombra de um graveto e comparando-a à sombra dos templos de Alexandria para deduzir o tamanho de seu ínfimo planeta. Como ele, todos os outros conquistaram o êxtase e o terror da crescente escala cósmica ao prensar os olhos e medir padrões matemáticos nos pontos de luz remota na penumbra. E mais haveria de surgir da boca do infinito.
    No medievo as artes eximiam-se de copiar a criação ou de construir ídolos realistas. Optavam por apenas aludir ao Deus infinito mediante imagens simbólicas, pois hereges são os que ousam limitá-lo. Suas catedrais usavam-se de esquemas geométricos e semelhantes à Escolástica para alinharem-se de maneira abstrata à lógica da criação divina. Deus, o grande arquiteto, não raro manejava um compasso nas pinturas dos templos. Mas já é possível ver desenhos como o da santa mística Hildegard von Bingen, que numa visão entendeu o corpo humano como o centro da estrutura divina. E no século quatorze figuras em sua maioria anônimas escreviam tratados científicos, como Geoffrey Chaucer e seu Tratado sobre o Astrolábio.
    Mas foi a Renascença o início do êxtase científico. Copérnico re-introduz de uma vez por todas o sol ao centro e mediante a geometria explica a moção planetária do sistema solar. Outros grandes avanços em medicina. Enquanto construía máquinas para melhor contemplar os astros acima, o humano também caía em si e à lâmina explorava os recessos do seu corpo aberto, espelhando entranhas e estrelas. Desde sempre equiparou-se o corpo humano, microcosmos, à Criação, macrocosmos, mas na Renascença há uma profusão de tais teorias. Desenhos como os de Agrippa von Nettesheim revelavam a figura humana encerrada em geometria de pentagramas certa vez também apreciados por Pitágoras, que via ali uma relação com o cosmos e a ordem divina. “O homem, a obra mais perfeita criada por Deus, possui uma estrutura física mais harmoniosa do que as outras criaturas, e contém em si todos os números, medidas, pesos, movimentos, elementos e todas as coisas, e é a mais sublime obra de arte”, escreve Agrippa, que também traçou relações entre o corpo humano e a arquitetura da Basílica.4
    Em seu Homem Vitruviano também Leonardo Da Vinci uniu o corpo ao cosmos. Seu umbigo o centro de uma operação que viu no humano a ponte entre as formas áureas do círculo e quadrado, pois de todas as criaturas seria a única dotada de elasticidade existencial. A fusão entre arte e ciência viu em Da Vinci seu mais célebre súdito. O científico artista analisava os fenômenos naturais e através da geometria ordenava-os na tela. Da ciência árabe os europeus adotaram a perspectiva. Em parâmetros matemáticos ensinaram a mente a ver profundidade num plano de projeção, agora o locus do intelecto. Antes Giotto já pintava o espaço como ente denso entre figuras, mas agora ele estruturava-se na matemática. A arte já não era alusão simbólica mas uma forma de contornar a matéria do mundo, agora o leito de um Deus imanente. O divino aqui. A Natureza objeto ao redor, analisável pela percepção e entendimento do sujeito. As paisagens pintadas focalizam toda sua potência no olho do espectador, o centro ausente da pintura. O Belo ganha contornos visuais e, em vistas imbuídas de qualidades objetivas e geométricas como harmonia, proporção e simetria, era aplicado à arte. Assim artistas como Leonardo, Michelangelo e Rafael corrigiam um mundo tantas vezes absurdo. A perspectiva renascentista não é espelho da realidade, mas seu perfume.
    À exemplo de desenhos como os de Agrippa e Da Vinci, arquitetos como Donato Bramante e depois Andrea Palladio buscavam na geometria de suas obras ascender o fortuito humano à perenidade da ordem cósmica. Via lógica silogística costuravam os costumes galáticos à vida terrena. Se há vínculos entre humano e cosmos, então é a arquitetura quem deve assumir o meio termo universal, amparando pessoas e deuses. Dos ideais do corpo perfeito à proporção coesa de volumes construídos à medição das elipses planetárias, a matemática haveria de alinhar o cosmos e o corpo humano, o Deus e seu filho. Christopher Wren, grande astrônomo e arquiteto inglês do século dezessete, escreve: “Figuras geométricas são naturalmente mais bonitas do que figuras irregulares”.5 Ao habitante de uma Villa Palladiana, resta aceitar o conselho de Platão e permear-se das formas perfeitas. Numa vida angelical seus hábitos aprenderão os segredos da “ordem harmoniosa”, fazendo de sua morada uma “analogia ao paraíso”, como o disse Colin Rowe. Ele continua: “as leis da proporção eram estabelecidas matematicamente e em todo o lugar difundidas…se tais números governavam os labores de Deus, considerava-se apropriado que os labores humanos fossem similarmente construídos”.6 Criava-se um mundo em pantomima onde imita-se os gestos do Criador. Assim a criatura há de ascender. Da carne ao divino.
    Pela crença cartesiana numa causalidade mecânica onde se é possível prever os eventos naturais, a frágil criatura busca controlar o que em muito supera-lhe o tamanho. A espécie com o palato ainda perfumado de fruta proibida pretendia dimensionar a criação, quem sabe dominá-la, e assim tocar o Deus. Mas ao promover-se como a medida de todas as coisas, o humano fez apenas encolher o encanto do cosmos ao seu finito coração. Pois é evidente. Em tais diligências havia um desejo ilusório de amparar-se na segurança do controle pois já sentíamos o vulto do descontrole: passávamos por uma série de desilusões coletivas que apenas reforçavam nossa pequenez e inépcia. Enquanto Michelangelo pintava-nos na iminência de tocar o dedo de Deus, Copérnico nos ensinava que tocar o além é sentir na epiderme a finitude de nossa existência física. E a virada cosmológica principiada por ele provaria-se apenas o início dos nossos pesares.
    Galileu descobre que a Via Láctea abriga milhões de estrelas. E se os pontos luzidios de outrora eram sóis como o nosso, então de fato o filho do Deus não passa de poeira. Do conforto de um desenho divino cujo centro matemático era o nosso umbigo, lançamo-nos à periferia de um cosmos aberto cuja escala é superior até à nossa imaginação. Talvez nosso planeta não fosse o eixo da criação como sugeriram Platão e Aristóteles, mas mero grão correndo as margens do universo em vendaval galático. Toda a coragem dos medidores de sombra, dos cientistas de cenho cerrado, dos sonhos de Giordano Bruno, dos arquitetos cósmicos, tudo isso para descobrir o vale de nosso desencanto num universo que não se preocupa em aliviar-nos o peito pois não há nada ali senão indiferença, nada, nada para nossos anseios, nada para nossos sonhos, nada. O mesmo recurso que permitiu-nos ordenar a criação também conduziu-nos ao descontrole. Fomos de donos do mundo a “idiotas do cosmos”, segundo Peter Sloterdijk. “Por meio da pesquisa e da tomada de consciência”, ele escreve, o humano “mandou a si próprio para o exílio e baniu-se da segurança imemorial que gozava nas bolhas de ilusão auto-construídas rumo ao sem-sentido, ao desconectado, ao automático. Com auxílio de sua inteligência incansavelmente exploratória, o animal aberto arrancou por dentro o telhado de sua própria casa”.7
    Como essas coisas se dão. Talvez nossa inteligência seja robusta o bastante apenas para revelar nossa fraqueza. Ou não foi ela agulha a romper a confortável película dos véus divinos? A virtude da ignorância animal inexiste em nós. Somos capazes de pensar a eternidade e isso não nos torna eternos, mas mortais. E de repente nossos deuses pareciam pequenos demais para a nova amplitude. Adotamos outros então, deuses intergaláticos e estranhos pois não feitos à nossa imagem e semelhança: nebulosas, buracos negros, a matéria escura, a relatividade dos espaços-tempos, os multiversos. Órfãos dos antigos deuses e desviados de nosso destino, amargamos a falta de sentido e o absurdo da existência. E como que assustado pela luz, o bicho humano quedou-se perplexo na imensidão. Pela lógica o humano fez do caos, cosmos. Apenas um hiato momentâneo cuja impressão de ordem não tardaria em cessar. E do cosmos voltou o caos.
    Como se não bastasse, a Teoria Evolutiva de Darwin revelou-nos não à imagem dos deuses mas dos primatas. E no século vinte torna-se claro a todos, mediante Freud, que o outrora redentor da criação era sequer senhor de si, pois dono de uma mente em eterno conflito consigo. Já no século vinte e um nossa cultura vulgar é incapaz de fornecer respostas significativas ao mistério da vida. O Eu perde-se num frenesi existencial. O colapso do sentido deu luz a uma abundância de estímulos irrisórios que visam apenas entreter e em troca exigem total atenção e energia. A todo instante nos estimulam, impedido o descanso e colonizando o refúgio. O excesso de informação tem levado a psiquê humana, filha de um tempo remoto, à ruína. Exausto, o sujeito sufoca na película rasa de sua frívola existência. Recusa-se à todo devaneio, impedindo o Eu sequer de sonhar. Ele crê expressar-se mas o agora é tão só o multiplicar do mesmo, onde a falta de opção leva-o a desejar apenas o previsto. Como na ilha de Lotos da Odisséia, ilusões irrestritas confundem os contornos da verdade e seu caminho interior eclipsa. A ilimitude de informação envolve-nos em estranho espectro, próximo à distância, familiar mas remoto. Na falta de peso perde-se também o tato. O eu não mais sabe estar. Quer contemplar mas esqueceu-se como. Alienado de si num mundo em descarte, é fácil dissociar-se da lentidão e silêncio das coisas reais e doar-se aos rápidos ruídos do tempo atual.
    Por todos os lados estamos à revelia de forças hostis. Expulso de seu domínio, a criatura perdida sente pulsando em suas fissuras o amargor da solidão. O antes coeso fragmentou-se e ao redor nada parece se sustentar.
    Mas quando tudo ao redor é ruína o alicerce final é o Eu. Aquele que contempla o cosmos pode vir a perceber não apenas a terrível vastidão que lhe usurpou o prestígio, mas também o encanto. O prazer de contemplar a imensidão estelar. De ser pequeno num grandioso universo. Pois ali ele descobre algo vasto em si. Nosso corpo, agora sabe-se, não guarda a marca do cosmos mas apenas a debilidade de criatura assustada. Mas em nosso espírito há algo que atrai-se pela amplitude, pois não de todo alheio à ela. Nos esquivos fluxos do nosso íntimo guarda-se algo estranho, incógnito, algo calado e profundo e desprovido de nome, sedimentado por debaixo de toda a precária estrutura da vida do hominídeo moderno constrangido pela própria existência. Primeiro nos amedrontamos na inevitável vastidão. Depois nos redimimos nela. Dentro, descobrimos a imensa espessura de nosso espírito, morada ampla onde é possível desviar-se do frenesi e sorver um tempo suspenso que é tão só silêncio. Nossa própria amplitude interior, tão desconhecida ao Eu quanto as costas das estrelas. Vemos também de olhos fechados. Das ruínas do antropocentrismo há de brotar uma humildade metafísica que não angustia-se frente ao enigma, mas deleita-se em sua potência.
    Nos meandros ocultos de sua existência, o humano poderá descobrir respostas indisponíveis à ele nos arcos dos planetas. Dentro jaz o sentido da vida, não fora. Frente ao excesso de respostas, o Eu deve buscar em si a única que lhe importa. Pois na falta de um guia cósmico ou divino, cabe a cada um desvendar a estranha textura de sua singularidade e compor o sentido de sua própria existência. Na falta do Deus somos nós os juízes de nosso destino. O caos não é um poço mas escada à liberdade. Do ilusório controle cósmico ao real controle de si. Uma profunda experiência, uma mudança de perspectiva. Do desamparo ao auto-amparo. Tal é o caminho Sublime. “Sonhamos com viagens através do todo cósmico: então o universo não está dentro de nós? As profundezas de nosso espírito nós não conhecemos”, escreve o poeta romântico Novalis. “Para dentro vai o misterioso caminho. Em nós, ou em parte nenhuma, está a eternidade com os seus mundos, o passado e o futuro. O mundo exterior é o mundo das sombras. Lança suas sombras no reino da luz”.8 No passado os oráculos serviam-se das entranhas de animais para prever o porvir das estrelas. Após Darwin somos nós os animais e usamos o cosmos para desvendar as entranhas de nosso espírito.

Pareço-me num transe sublime e estranho
A meditar em minha separada fantasia,
Minha própria, minha mente humana, que passiva
Agora doa e recebe fugazes influências,
Retendo incessante intercâmbio
Com o claro universo de coisas ao redor.
Percy Shelley9


Mas do que constituem-se as entranhas de nosso espírito? Há os que entendam o humano como criatura perdida entre duas naturezas em conflito. A tensão entre a carne e o espírito, entre a mão e a mente, entre as faculdades sensíveis e as ideias transcendentais. É possível desviar-se do ascetismo e pela estética entender carne e espírito não em oposição mas como par dialético, quem sabe, passível de síntese. O concreto como caminho ao etéreo. Aos que mediante as coisas anseiam ascender a arte pode revelar o caminho. É através dela que o humano expressa-se. Manipula a matéria do mundo para sob a luz contemplar as formas de seu espírito. Pois nossa vida íntima é inconstante e volátil como o são todas as coisas profundas e desprovidas de dimensão. À todo tempo é preciso tatear, através de grandes obras, a escala do coração humano.
    A arquitetura, creio, é de todas as artes a que melhor pode mediar o caminho do Sublime. Como nosso corpo, antes suas estruturas gozavam o estatuto de comunhão ao cosmos. Poderiam ao menos manter a verdade matemática não fosse o advento da geometria não-euclidiana no século dezenove e a Teoria da Relatividade do universo curvo de Einstein. Teria o culto à uma geometria cósmica limitado a expressividade dos arquitetos? Se as ordens geométricas eram guia à moção das estrelas então os delírios de um arquiteto eram tidos como desvios da verdade. Mas as Villas de Palladio não mais representam o espelho da vida celeste. São antes um notório exemplar do engenho humano, assim como tantos outros edifícios desdenhosos de sua áurea geometria. Os Carceri d'invenzione de Piranesi, os canais de Veneza, a capela em Ronchamp de Le Corbusier. Com a queda da crença na verdade a estrutura que a representava perde primazia. A arquitetura já não pode espelhar os padrões do firmamento. Mas pode suscitar a atmosfera Sublime, a mesma que guardamos informe em nosso espírito. Pois mesmo nos corações onde se perdeu a crença numa verdade ainda mantém-se a ânsia de tocar o além.
    Mas o além está ao além. Fora de alcance. Pois se a matéria permite a jornada ela também a limita. O que encontra-se então não é a transcendência mas a superação. Na amplitude descobre-se a real medida de nossa existência. Dos capilares de sua atmosfera talvez brote o impacto estético do Sublime para despertar da letargia aqueles que anseiam as esferas mais significativas da existência. Sob a epiderme sentirão todo o bálsamo da expressão, da autenticidade. Arquiteturas de matemática euclidiana ou não-euclidiana ou mesmo desnudas de pretensões numéricas: seu valor depende não de uma convenção mas na potência de sua autonomia, na forma pela qual ousa exprimir a angústia de se estar vivo num universo cuja mecânica supera o entendimento. Uma arquitetura do desamparo, que acolha o descontrole. Uma arquitetura do Sublime.
    Não sou capaz de exprimir a experiência do Sublime sem constrangê-la com palavras. Instante fora do tempo, jornada inviável à tudo salvo o silêncio e a solidão. Posso apenas espantar-me com seus paradoxos. E recontar algumas das tentativas de invocá-la, explorar o espírito de seu porvir, descrever seus artefatos construídos. A Torre de Babel, o misticismo, as catedrais Góticas, a angústia romântica, o sujeito coibido na cidade industrial, a Regeneração Estética, o método Bauhaus e a queda da transcendência, a sociedade do desempenho, as montanhas e seus templos de cristal contemplar. A busca do solitário humano por algo a mais e sua improvável redenção.

Não hemos de cessar a exploração
E o fim de todo nosso explorar
Será chegar onde iniciamos
E conhecer o lugar pela primeira vez.
Através do desconhecido, lembrado portão
Quando os últimos da terra deixados a descobrir
É aquilo que era o começo;
Na fonte do mais longo rio
A voz da oculta catarata
E as crianças na macieira
Não conhecidas, pois não buscadas
Mas ouvidas, entreouvidas, na quietude
Entre duas ondas do mar.
T. S. Eliot10 
 

NOTAS


1. ECO, U., O Nome da Rosa, p. 41.
2. BORGES, J. L., O Imortal In. O Aleph, p. 19.
3. KIERKEGAARD, S., Nabucodonosor In. Stages on Life’s Way, p. 360.
4. VON NETTESHEIM, A., De Occulta Philosophia In. Alquimia e Misticismo, p. 431.
5. WREN, C., From the Parentalia In. The Mathematics of the Ideal Villa, p. 2.
6. ROWE, Colin. The Mathematics of the Ideal Villa, p. 8.
7. SLOTERDIJK, P., Bolhas: Esferas 1, p. 23.
8. NOVALIS, Pólen: fragmentos, diálogos, monólogos, fragmento 17.
9. SHELLEY, P., Mont Blanc. Lines Written in the Vale of Chamouni. Tradução do autor. Versão Original: I seem as in a trance sublime and strange / To muse on my own separate fantasy, / My own, my human mind, which passively / Now render and receives fast influencings, / Holding an unremitting interchange / With the clear universe of things around.
10. ELLIOT, T. S., Four Quartets, Little Giding, Ato V. Tradução do autor. Versão Original: We shall not cease from exploration / And the end of all our exploring / Will be to arrive where we started / And know the place for the first time. / Through the unknown, remembered gate / When the last of earth left to discover / Is that with was the beginning; / At the source of the longest river / The voice of the hidden waterfall / And the chil- dren in the apple-tree / Not known, because not looked for / But heard, half-heard, in the stillness / Between two weaves of the sea.



















































































Liber Divinorum Operum,
Hildegard von Bingen.





De Occulta Philosophia,
Agrippa von Nettesheim.

Mark

FICÇÃO

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        A Casa de Nero
        De Lábios Fechados
        Coluna de Ashoka


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NÃO-FICÇÃO

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    SUBLIME

        I. A Solidão de Netuno
        II. A Sombra da Torre Invisível
        III. O Meio-tom da Inconsciência
        IV. O Peso da Luz
        V. A Mente das Mãos
        VI. O Templo sem Deus


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