Crítica


[obra escrita sob o âmbito do evento CINEJANTAR 002,
na Fábrica Braço de Prata, Lisboa]


2001: Uma Odisséia no Espaço
por Stanley Kubrick

Expressão máxima das pretensões artísticas do sci-fi no cinema, 2001: Uma Odisséia no Espaço revela-se como uma das obras que mais conjugaram os temas ditos universais com o regime cultural de nossa era. Feito por Kubrick no auge da guerra-fria, numa cultura já desiludida das maravilhas da tecnologia, o filme pondera o que resta à uma humanidade que apostou na Razão como veículo de um progresso técnico-científico infinito, mas que acabou por revelar justo a nossa finitude. Humilhados pelas nossas próprias pretensões, idiotizados pela nossa própria inteligência, amargamos não a Utopia mas o colapso — pois também a bomba atômica é filha da técnica.
    O filme acompanha os diversos encontros da humanidade com um objeto alienígena capaz de promover, precisamente, este tipo de progresso. Seu foco temporal é o ano de 2001 (símbolo de um futuro distante e início de nova era) numa sociedade tão envolvida em suas máquinas que tornou-se, ela própria, maquinal. Suas ferramentas deram-lhes o controle total do planeta, desnudando-o de toda a sua hostilidade. Mas se com elas moldaram o mundo, também é este o mundo que molda-os de volta. Acostumados a um cotidiano desprovido de conflitos, os humanos atrofiaram-se. Racionalidade pura, tornaram-se fragmentos de si. São frios, calculistas, utilitários — autômatos. A comodidade submergiu-os num culto ao conforto que apequenou-os. Incapazes de praticar as tarefas mais básicas sem o auxílio das máquinas, tornaram-se robóticos em suas ações, como espelhos turvos de suas próprias criaturas — não à toa HAL 9000 é a figura mais complexa do enredo. Este mundo tedioso (pois desprovido de espanto) talvez tenha sido a razão de lançarem-se ao espaço, mas se mostram incapazes também de contemplar o espetáculo cósmico ao seu redor: vêem-no apenas como vácuo. Aos espectadores do filme resta senão a sonolenta dança das naves sob a valsa de Strauss. Mas talvez ainda haja redenção e Sublime transcendência aos humanos esquecidos de sua natureza, caso consigam superar o domínio das máquinas e acionar em si o núcleo daquilo que à elas sempre faltará: um espírito.
    A escolha por esta obra se dá também pelo seu caráter geminiano. É apenas metade de uma colaboração do diretor com Arthur C. Clarke, que escreveu um livro homônimo. É este em preciso o nexo artístico que gostaríamos de promover, em parceria com a Livraria da Fábrica: as relações entre a literatura e o cinema, os gêneros narrativos por excelência. Mas enquanto o cinema fornece-nos imagens prontas e preocupa-se sobretudo com a externalidade dos fatos objetivos, a literatura habita também o íntimo humano, seus fatos mentais e subjetivos, e convoca-nos a compor as nossas próprias imagens. O cinema torna-se assim a potência da passividade partilhada, e a literatura, da atividade solitária. Neste sentido, pode-se ver 2001 como um filme-filme, promotor da externalidade pura não apenas em sua forma artística mas também no temperamento de seus personagens e no desenvolver de suas temáticas — ou não seriam as máquinas aqueles entes desprovidos de um íntimo?
Mark

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